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As pontes e o Porto

05.03.13

As pontes e o Porto... pelo daroportoaomanifesto@gmail.com:

O Douro é uma força que corre, desde sempre, selvagem e furioso entre as margens esganadas por escarpas de granito ou xisto, desde os Arribes até á Arrábida, quase no seu destino salgado do Atlântico.
Apertado e torrentoso, sempre foi difícil de vencer e cumpriu o desenho do “Criador” até ao século dezanove. Só depois, com pontes e barragens, o homem teve engenho para o passar sem barco nem barca.
O Porto, cidade porto e porta deste vale e deste reino, cidade de barcos de rio e de mar, castrejo, romano, suevo, portucalense, barroco e burguês foi sempre passado, entre margens, por navegação de todos os tipos de obras flutuantes, precárias e temporárias, até ao ferro da Ponte Maria Pia transformar, definitivamente, a ligação entre o Norte e o Sul.
Foi a casa Eiffel, em 1877 que lançou entre as escarpas do Porto e Gaia a linha do comboio sobre um arco elegante, leve, quase imaterial na sua leveza pousada sobre articulações.
Pioneira, essa ponte será precursora do afamado viaduto do Garabit, com mais um metro e menos dez anos de idade. Serviu de teste á casa construtora para sua obra-prima da torre da exposição universal de Paris de 1893.
Seyrig, autor do projecto, ganha depois o concurso para outra obra de arte, hoje monumento nacional e património mundial que é a D. Luís I, com dois tabuleiros e um desenvolvimento impressionante de 400 metros, no sítio onde esteve projectada uma gigantesca obra em pedra do Arquitecto setecentista Carlos Amarante, simplesmente impossível de realizar com os meios técnicos da época.
Com o betão e a engenharia do século XX o Porto é ainda guarnecido por obras de referência como as de Edgar Cardoso, a jusante e a montante das duas obras-primas do ferro.
É cedo para “meter” na história obras e projectos mais recentes! Que me perdoem os seus autores.
O Porto mudou, assim, a paisagem e a natureza que os deuses construíram.
Desafiando as artes e as contas, desafiando a imagem e o património, o Porto vem vencendo a barreira do rio violento, bravo, tantas vezes invadido por cheias tumultuosas e intratáveis.
É com esta paisagem de pontes já históricas que convive hoje a cidade, habituada a elas como coisas fáceis, banais ou naturais! Poderá algum portuense de hoje imaginar a Ribeira sem a ponte de Seyrig a prender e segurar esteticamente os monumentos de cada margem, transformando-os num todo rico, único, improvável e inimitável?
No entanto lá passamos com a displicência do quotidiano, sem memória para os seus construtores e autores, sem veneração pelos tempos que a fizeram e a preservaram, como se ali estivesse dada por Deus, ou herdada de gigantes que lá teriam posto sem esforço, sem pensamento, sem desenho, sem projecto, sem engenho, sem operários e sem orçamento!
Esta e as outras são fruto da tenacidade do homem. Insatisfeito e insubmisso, desafiando a correnteza e a falsidade das escarpas, lançando braços, escoras e cimbres provisórios até ao fecho dos arcos, para dar passagem às gentes e às coisas e para dar caminho ao futuro.
Cada um de nós, no nosso dia-a-dia apressado, na correria do ir e vir a Gaia ou a Lisboa, sempre que passa, devia tirar o chapéu, elevar o pensamento, dirigir uma prece ou um louvor e agradecer a todos esses heróis, com nome e sem nome, tanto esquecidos, que, em cada tempo, nos deixaram esta herança incomensurável que são as pontes do Porto. Sem elas, o Porto seria uma cidade pobre, quase banal, partida em duas, separada pela serpente turva do Douro.
Mal saberiam e mal poderiam sequer imaginar o valor que deram á cidade e ao mundo, esses engenheiros e construtores, esses governantes e operários que fizeram do aço, acabado de inventar, as primeiras passagens do Porto sobre o Douro.

2009-06-19
Rui Loza, Arq.

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publicado às 15:10



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